Na redação do artigo 148, da Lei 8112/90, Estatuto dos Servidores Federais, o processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontra investido.
Dos seus elementos conceituais, apreendemos que se trata, como o termo indica, de processo, ou seja, procedimento em contraditório. Para que haja contraditório é necessária a presença de partes distintas, ou de sujeitos processuais em relação.
Como salienta J. B. Menezes Lima, não se instaura processo sem réu ou indiciado. Pois, sem réu não há ação e nem o seu instrumento, o processo. Não há como haver um processo contra ninguém.1
Em consequência, deve haver a demonstração de que o fato se configura como infringência e que há presunção de autoria.
Assim, a instauração requer que haja motivação. Ou seja, fundamentos das razões de fato e de direito e o liame que liga racionalmente os fatos ocorridos aos atos indevidamente praticados no exercício da função pública.
Um procedimento por parte da Administração Pública no sentido de movimentar todo aparato estatal contra um particular, só deve ter início quando existirem suficientes e razoáveis indícios de que esse tenha sido o autor de determinada conduta delituosa.2
Devem estar claros os motivos determinantes para que possam ser constatados ou contestados, pois deram causa a um ato administrativo com os atributos de presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.3
Pela Teoria dos Motivos Determinantes, o ato administrativo fica vinculado aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Deverá haver perfeita sintonia entre a sua exposição e a realidade. Havendo desconformidade, o ato é inválido.4
No conhecimento da irregularidade ou presunção de que tenha ocorrido, instaura-se o processo disciplinar. Na verdade, neste momento, há elementos suficientes para que se admita o ato ilícito e o seu autor. Não estando os pressupostos de autoria e materialidade da falta, cumpre ser previamente instalada sindicância investigativa para elucidar com clareza os fatos.5
Faltando um dos elementos essenciais, ou a existência do fato, ou o nome do servidor, a quem se atribui a presunção da autoria, em vista de indícios razoáveis, e justa causa, a conclusão da sindicância investigativa será pelo arquivamento, sem a consequente instauração de processo disciplinar.
Muitos órgãos da Administração Pública não têm dado a devida importância ao instituto, tratando com certo desprezo o que deveria ser a pedra de toque para o sucesso de qualquer empreitada no campo disciplinar.6
É necessária justa causa para a instauração do processo disciplinar. Deve haver verdadeira acusação alicerçada em provas, que, no mínimo, indiquem que houve a prática de uma infração a deveres ou proibições previstas no estatuto.
Demonstra Mauro Roberto Gomes de Mattos que não se viola o direito de qualquer pessoa em decorrência de uma simples suspeita.7
Ausência de materialidade de infração não autoriza devassa na vida pessoal e funcional, na tentativa de se encontrar algo que se possa usar contra o servidor.8
Existe uma falsa presunção de culpabilidade do servidor público investigado, onde determinadas Autoridades entendem que, na dúvida, o melhor é ser instaurado o processo administrativo disciplinar para, então, no decorrer do mesmo, o servidor público demonstrar a sua inocência.9
Deve ser levado ao conhecimento do acusado a exposição do fato tido por delituoso, com suas circunstâncias, ainda que não seja exaustiva, para que o servidor possa saber exatamente do que deve se defender.
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1LIMA, J. B. Menezes. Sindicância e verdade sabida. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 61.
2TASSE, Adel El. Investigação preparatória. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 21.
3MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 283, 286, 297-8.
4MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 181.
5CARVALHO, Antônio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuísta da Administração Pública. Brasília: Fortium, 2008, p. 371.
6QUINTINO, Elísio de Almeida & QUINTINO, Rosana F. de Almeida. Manual do servidor público. Vol. I. Processo administrativo disciplinar. Rio de Janeiro: Fernão Juris, 2009, p. 368-9.
7MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Tratado de direito administrativo disciplinar. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2008, p. 214.
8Ibid., p. 234.
9Ibid., p. 630.