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Processo Administrativo
Disciplinar & Ampla Defesa
3º Edição

 

Matéria
A Chave do Sucesso
Revista Prática Jurídica

A revogação dos embargos infringentes é medida anticorrupção?

Franco Valenzuela de Figueiredo Neves Sinhori e Sílvia Carolina Rozza Krug

Amplamente divulgado nos meios de comunicação está sendo o anteprojeto de lei, denominado de “10 Medidas Anticorrupção”, proposto pelo Ministério Público Federal, que angariou o número suficiente de assinaturas para que se concretizasse em projeto de lei de iniciativa popular e que recentemente foi modificado substancialmente durante seu trâmite no Congresso Nacional.

São propostas que possuem ampla aceitação popular, todavia, provavelmente o seu teor não seja de conhecimento de muitos que o apoiam. Ainda que seja louvável a iniciativa do MPF, são salutares o debate e as críticas acerca das aludidas medidas, a fim de promover o seu aprimoramento, tomando ainda como base o texto como proposto pelo MPF.

Nesse sentido, gostaríamos de discutir sobre a proposta número 9, intitulada “Revisão dos Recursos no CPP”, em especial a extinção do recurso de Embargos Infringentes do processo penal.

 

O recurso de Embargos Infringentes tem previsão no art. 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal. O art. 1º do anteprojeto deixa patente a extinção do supracitado recurso ao revogar expressamente o parágrafo único do art. 609 do CPP.

Entretanto, no bojo da justificativa para tal medida, diz-se que em nome da celeridade processual, restringe-se o recurso apenas para cabimento em caso de voto vencido a favor da absolvição em julgamento colegiado em segunda instância, in verbis:

 

Outrossim, segundo o vigente Código de Processo Penal, quando a decisão em segunda instância não for unânime em desfavor do acusado, cabem embargos infringentes e de nulidade. Entretanto, a amplitude dos embargos infringentes e de nulidade tem causado embaraços à duração razoável do processo. Para evitar uma prodigalização excessiva dos embargos infringentes, em prejuízo da celeridade processual, a proposta reduz o seu cabimento ao âmbito realmente importante, admitindo a sua interposição para conferir ao acusado a oportunidade de fazer prevalecer em seu favor voto vencido pela absolvição. Assim, havendo, no órgão colegiado de segunda instância, voto vencido pela absolvição, o acusado remanesceria com a possibilidade de manejar os embargos infringentes. (MPF, 2015 - grifos nossos)

 

Ao que parece existe um erro material no anteprojeto, já que há dissonância entre o dispositivo que revoga o recurso de embargos infringentes do CPP e a sua justificativa ao prever uma mitigação nas hipóteses de cabimento, porém mantém a possibilidade de manejo do recurso, provavelmente uma variante do Projeto de Lei do Senado 156/2009, o qual reforma o Código de Processo Penal e reduz drasticamente o cabimento dos referidos embargos.

Em realidade, o argumento de que o recurso de Embargos Infringentes não se coaduna com a celeridade processual é muito discutível. Temos visto que esse discurso “eficientista” no processo penal, em regra, traduz-se em restrições à defesa, olvidando-se que a morosidade jurisdicional está deveras ligada “a existência de ‘espaços mortos’ nos procedimentos, como a dificuldade material e de pessoal, bem assim como os longos períodos entre uma audiência e outra, diante da inviabilidade de pauta – o processo aguarda em berço esplêndido: escaninho” (ROSA, 2004).

Tendo em mente o rompimento do paradigma newtoniano superado pela relatividade de Einstein, pondera-se que, ainda que a imposição por um processo penal seja de natureza constitucional, o tempo no processo penal deve ser diferente dos anseios sociais punitivistas, não devendo a urgência suplantar as garantias fundamentais do acusado (SAMPAIO, 2013).

A partir da base epistêmica própria do processo penal, conclui-se que o direito à duração razoável do processo (celeridade processual) constitui direito subjetivo processual do imputado, garantindo-lhe o direito a um processo sem dilações indevidas, visto que o processo em si já é uma pena.

Com efeito, a existência do princípio da celeridade processual possui bases na dignidade do acusado, ou seja, “somente em segundo plano, numa dimensão secundária, a celeridade pode ser invocada para otimizar os fins sociais ou acusatórios do processo penal, sem que isso, jamais, implique sacrifício do direito de ampla defesa e pleno contraditório para o réu” (LOPES JÚNIOR; BADARÓ, 2009).

O recurso de embargos infringentes se consubstancia no voto divergente (decisão não unânime), no qual surge então um estado de incerteza, não podendo conformar uma condenação, já que o processo penal se rege pelo princípio favor rei, corolário da presunção de inocência, o que justifica a causa ser decidida por um quórum maior de desembargadores.

Ademais, não raras são as vezes em que quem melhor aprecia a matéria é o prolator do voto vencido (DIDIER, 2010), devendo haver uma valorização do voto divergente por denotar uma “coragem democrática” dentro de um panorama geral de “sigo o relator” nos tribunais (MELCHIOR, 2011).

Isso é explicado, de certa forma, por uma racionalidade econômica na atuação do juiz, que procura maximizar o tempo de lazer e minimizar o de trabalho (RIBEIRO, 2013), decidindo de forma automática, sem esforço cognitivo, nos moldes do sistema de pensamento S1 (ROSA, 2014).

Empiricamente, é possível notar que a previsão de cabimento dos embargos infringentes não pode ser responsável pela demora na conclusão dos julgamentos. Nos anos de 2012 a 2014, apenas 4,5% dos recursos de apelação, sentido estrito e agravo em execução ensejaram a interposição dos embargos infringentes no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Destes, 22,7% foram providos, e dentre estes, 6,2% de forma unânime (SINHORI, 2015).

Sendo assim, consideramos que não se pode restringir a ampla defesa, retirando a possibilidade de manejo dos embargos infringentes em nome da celeridade processual, pois, como vimos, não é a previsão do recurso que contribui com a demora nos julgamentos.

Pelo contrário, os embargos infringentes, ao menos no âmbito dos estados do Rio Grande do Sul (dados supracitados), além de Paraná e Rio de Janeiro (MELCHIOR, 2011) têm-se prestado a corrigir enormes injustiças.

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Bibliografia

DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. v. 3. 8. ed. Salvador: Jus Podivm, 2010.

 

LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 2. ed. rev. e atual. com as Leis 11.689/08, 11.690/09 e 11.719/08. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

 

MELCHIOR, Antônio Pedro. Dos Embargos Infringentes e a Reforma do Código de Processo Penal (PL156/09): a 'tirania' da urgência e a importância do voto divergente para o Processo Penal justo. In: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson e CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. O Novo Processo Penal à luz da Constituição: Análise Crítica do Projeto de Lei nº 156/2009, do Senado Federal, Vol. 2. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

 

Ministério Público Federal. Anteprojeto Medidas Anticorrupção. Disponível em: . Acesso em 06 dez de 2016.

 

RIBEIRO, Pedro José de Almeida. A política, o direito e a incerteza. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, n. 39, p. 255-279, jun. 2013.

 

ROSA, Alexandre Morais da. Decisão no Processo Penal Como Bricolage de Significantes. Curitiba, 2004. 443 f. Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito, como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor, Setor de Ciências Jurídicas e Sociais, Universidade Federal do Paraná.

 

ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. 2. ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.

 

SAMPAIO, Denis. Inovações tecnológicas no processo penal – Dialética entre eficácia e garantia na produção da prova judicial. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, a. 21, v. 102, n. 102, maio/jun., 2013.

 

SINHORI, Franco Valenzuela de Figueiredo Neves Sinhori. Os Embargos Infringentes e de Nulidade no Processo Penal Brasileiro. Curitiba, 2015. 91 f. Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil.

 

 

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Os autores são advogados em Curitiba, Franco Sinhori, OAB/PR 79.223, Sílvia Rozza Krug, OAB/PR 79.370, sócios do escritório Sinhori, Rozza & Krug Advogados Associados, OAB/PR 5.035, srk.adv.br. Rua Senador Xavier da Silva, 488, conj. 304. (41)3121-3700.