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3º Edição

 

Matéria
A Chave do Sucesso
Revista Prática Jurídica

O pensamento jurídico crítico: a Teoria Crítica do Direito

Glauco Oscar Ferraro Pires

O PENSAMENTO JURÍDICO CRÍTICO: A TEORIA CRÍTICA DO DIREITO

Glauco Oscar Ferraro Pires

Auditor Fiscal da Receita Estadual do Paraná

Graduado em Ciências Econômicas

Especialista em Planejamento Público

Mestre em Administração

A Teoria Crítica1 é comumente associada ao que convencionou-se chamar de “Escola de Frankfurt”. No entanto, não se trata especificamente de uma escola de pensamento, uma vez que seu grupo de pensadores originários (Horkheimer, Adorno, Pollock, Marcuse, Benjamin, Fromm, Habermas) possuíam diferenças teóricas, sem mencionar no posterior rompimento de Habermas com os fundamentos do grupo (por exemplo, quanto à centralidade do trabalho enquanto mecanismo de emancipação humana).

De fato, como expõe Freitag (1986), inexiste na Escola de Frankfurt e na Teoria Crítica um “consenso epistemológico”, ou seja, não é uma visão única do mundo. Enquanto teoria social, a Teoria Crítica pretende “denunciar a repressão e o controle social a partir da constatação de que uma sociedade sem exploração é a única alternativa para que se estabeleçam os fundamentos da justiça, da liberdade e da democracia” (Faria, 2004, p. 25).

Sem dúvida, essa constatação a que se refere Faria (2004) é de fundamental importância para a compreensão da necessidade de instituir-se uma efetiva crítica do Direito, tendo em vista a existência de abordagens jurídicas fundamentadas (apenas no plano do discurso) em uma teoria crítica mas que adotam uma postura meramente reformista, ao limitar-se a atuar dentro do sistema econômico vigente sem questionar o modelo e sem preocupar-se em estabelecer raízes para uma verdadeira emancipação do sujeito.

 

Desta forma, a Teoria Crítica vincula-se a um pensamento marxista sem abdicar da crítica a certos marxismos e incorporando à análise Freud, Weber e outros pensadores não marxistas, tornando-a uma concepção interdisciplinar que congrega contribuições da estética, da lingüística, da cultura, da psicologia social, da psicanálise, da economia, da ciência política, da psicossociologia, das ciências sociais, da história.

 

Importante destacar que tal interdisciplinaridade não pode ser confundida com uma multidisciplinaridade, ou transdisciplinaridade, ou uma abordagem holística ou ainda pós-moderna, pois que pauta-se pela coerência epistemológica das áreas de conhecimento que congrega. Porém, em que pese a interdisciplinaridade inerente à proposta da Teoria Crítica, note-se que, como ressalta Assoun (1991), as duas “pedras angulares” da Teoria Crítica são de fato o marxismo e a psicanálise.

 

Ao contrário do que o senso comum estabelece, uma postura crítica, na ótica da Teoria Crítica, não significa meramente ser crítico de idéias, conceitos, pesquisas, estudos, correntes de pensamento. Uma postura crítica é aquela que adota uma abordagem específica no estudo das relações sociais, especialmente no âmbito das estruturas de controle e poder2 (JERMIER, 1998).

Aqui, é importante ressaltar, novamente, que uma interpretação crítica da realidade sob uma Teoria Crítica significa, portanto, a denúncia irrestrita e veemente à exploração econômica do homem pelo homem, exploração essa que sustenta um sistema econômico baseado na figura do capital.

 

A Teoria Crítica, em que pese de forma apenas marginal (haja vista seu potencial revolucionário questionador do status quo), penetrou em vários campos do saber, como a Administração (por exemplo, na crítica e denúncia do controle e exploração do trabalho), na Educação (como exemplo, na crítica e denúncia da ideologia inculcada pelo sistema de ensino) e no Direito.

 

No campo jurídico, os fundamentos do pensamento crítico seguem (ou deveriam seguir) os ensinamentos teóricos e (principalmente) epistemológicos da Escola de Frankfurt, denunciando a exploração e dominação no trabalho próprios do sistema econômico capitalista, que produz e sobrevive da alienação (econômica e psicológica) do sujeito trabalhador e da exclusão das massas. Como explanam Volpe Filho e Scapim (2004, p. 3):

 

A partir do legado da Teoria Crítica desenvolvida na Escola de Frankfurt, que em resumo sempre sustentou a possibilidade do uso da razão como instrumento de libertação do homem, é que o pensamento jurídico crítico passou a entender o direito também como instrumento dessa mesma libertação, em oposição a todas as formas de injustiça e opressão geradas no seio da sociedade capitalista.

 

Entre as principais características de uma teoria crítica do Direito ter-se-ia, conforme relatam Volpe Filho e Scapim (2004), apoiados na valiosa obra de Luiz Fernando Coelho, Teoria Crítica do Direito:

 

a) o Direito não é sinônimo de lei: trata-se da noção de que o jurista precisa inserir-se na sociedade para entender que o Direito não é apenas àquele originado do Estado. O Direito deve ser identificado com o bem comum, com a justiça e a igualdade, não devendo ser utilizado como artifício pelas classes dominantes;

 

b) o Direito não é uno: a monopolização do Direito pelo Estado é questionada pelo pensamento crítico, que considera o Estado um ente contraditório indispensável para a reprodução do sistema capitalista3 e, nesse sentido, seria também um ente alienador. Tentam, os críticos, substituir o ineficaz legalismo do estado por outras vias de juridicidade;

 

c) o Direito não é neutro: a neutralidade, entendida como um distanciamento absoluto da questão a ser apreciada, pressupõe um jurista isento não somente das complexidades da subjetividade pessoal, mas também das influências sociais. Porém, para a epistemologia de uma Teoria Crítica o sujeito é um sujeito criador da história, ou seja, não se pode isolar sujeito do objeto, e portanto o Direito não está isolado das relações sociais que o produzem e, por conseguinte, o jurista não pode ser possuidor de uma neutralidade. Uma abordagem crítica do Direito exige operadores do direito conscientes de seu papel contraditório de defesa de interesses de classes ou frações de classe;

 

d) o objeto do Direito é um problema a ser solucionado: o Direito não pode considerar-se completamente científico, uma vez é produzido por legislador que não é – e nem pode ser – neutro, muito menos racional ou dono de uma “racionalidade limitada”. O Direito se alimenta do social, das experiências vividas quotidianamente, de forma que o jurista cria e modifica o Direito à medida que, em o conhecendo, o interpreta e aplica e, desta forma, o objeto é um problema a ser solucionado e não simplesmente um objeto a ser descrito;

 

e) o direito não é racional: uma vez que trata-se do produto do emocional, do afeto, do subjetivo, do intuitivo. Nesse sentido, a forma ou aparência de racionalidade do Direito é um meio de legitimar as decisões jurídicas, ou seja, o Direito não pode desligar-se de seus operadores, os quais lhe incutem elementos de irracionalidade, quando objetivam, através das regras e decisões jurídicas, suas crenças, emoções, valores e sentimentos inerentes à psique humana;

 

f) o Direito é um instrumento de transformação social: pois que deve ter por objetivo a emancipação da sociedade, a partir da noção de que, contraditoriamente, o mesmo Direito que legitima e reproduz a exploração pode ser o elemento fundante de uma mudança social, deve criar as condições jurídicas necessárias para a emancipação do homem;

 

g) o Direito não é autolegítimo: pois a legitimidade das normas resulta de um processo ideológico que fundamenta a aceitação das normas pela sociedade por elas regida. A crítica não pode ser relativa somente à condição existente, mas crítica em trabalhar na direção de uma nova existência; e, finalmente:

 

h) o Direito não é dono de uma positividade axiológica do direito: pois não possui uma característica valorativa apenas positiva (justiça, bem comum, igualdade, liberdade, etc.), há também valores negativos na experiência jurídica, como a escravidão, o despotismo e o desprezo pelos direitos humanos. A bondade essencial do direito não passa de artifício retórico para sua imposição ideológica ao consenso da macro-sociedade dominada e seu caráter ético está na dependência de seu uso como instrumento de controle social.

 

Dessa forma, pode-se elencar como sustentáculos fundamentais na abordagem crítica ao Direito as seguintes noções: o Direito não pode ser considerado uma instância a-histórica descolada da realidade: é um produto das relações sociais e de poder que se instalam no tecido social e, nesse sentido, jamais poderá ser um ente neutro e virtuoso, interessado unicamente no bem do povo e na justiça social. Igualmente, o Direito não é uma produção racional, pois que nele estão inseridas as emoções, afetos, prazeres, angústias, valores daqueles que o produzem. Por fim, tem-se que o Direito, na concepção de uma Teoria Crítica do Direito, é um ente profundamente contraditório que, ao mesmo tempo em que serve aos interesses do grande capital, tem em seu cerne o potencial emancipatório no sentido de ser um elemento que pode instaurar as bases jurídicas para que o trabalho emancipe-se do capital e, assim, para que o homem crie uma sociedade emancipada.

 

Já se trabalha a Teoria Crítica no Direito Civil e no Direito do Trabalho. Mas e por que não uma Teoria Crítica do Direito Tributário? Com efeito, como já sugerido em outro texto (Pires, 2006), no campo do Direito Tributário a Teoria Crítica pode contribuir na construção de uma Administração Tributária construída sob um modelo de federalismo fiscal que busque limitar, em vez de reforçar, as políticas pró-capital demandadas pelo sistema econômico hegemônico e que busque criar espaços para os direitos trabalhistas e para as economias marginais (organizações sociais, solidárias e do terceiro setor).

 

Nesse modelo alternativo de federalismo fiscal, um “Direito Tributário Crítico” pode trabalhar de forma crítica questões como regras de concessão de benefício fiscal, criação de um sistema tributário efetivamente progressivo, tributação de grandes fortunas, persecução criminal e divulgação pública de sonegadores de tributos, instituição de regras anti elisivas, impedimento de anistias fiscais, dentre vários outros temas que são marginalizados no contexto de um sistema tributário que interessa ao grande capital, como o atual sistema tributário brasileiro.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

ASSOUN, P-L. A Escola de Frankfurt. São Paulo: ?tica, 1991.

 

FARIA, J. H. de. Economia Política do Poder: fundamentos. Curitiba: Juruá, 2004.

 

FREITAG, B. A teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo: Brasiliense, 1986.

 

JERMIER, J. M. Introduction: critical perspectives on organizational control. Administrative Science Quarterly, Ithaca/New York, v. 43, n. 02, p. 235-256, jun. 1998.

 

PIRES, G. O. F. Federalismo fiscal e a contradição capital-trabalho. Revista da III Plenafisco, Gramado/RS, ago. 2006.

 

VOLPE FILHO, C. A.; SCAPIM, L. de O. Breves considerações sobre a teoria crítica do Direito. http://www.direitonet.com.br/textos/x/73/55/735/, 2004. Acessado em 09 maio 2006.

1Para uma profunda discussão sobre as origens e especificidades da Teoria Crítica, ver Freitag (1986), Assoun (1991) e Faria (2004).

 

2Aqui é preciso esclarecer que a ausência de uma definição clara do conceito de poder acaba por não apenas obscurecer, mas – principalmente – por ideologizar a discussão sobre temas jurídicos como, por exemplo, o conceito de “poder diretivo do empregador”, tão caro ao Direito do Trabalho. Evidentemente, são inúmeras as abordagens e concepções sobre o poder, sendo tal tema algo complexo e polêmico, em especial nas ciências sociais. Uma discussão crítica profunda sobre poder e relações de poder pode ser encontrada em Faria (2004). Em uma abordagem crítica ao Direito, o poder não pode ser compreendido como posse ou influência, mas como relação, como ensina FARIA (2004, p. 141): “o poder pode e deve ser entendido como uma práxis não apenas relacional, mas uma práxis cuja natureza fundamenta-se em uma interação, complexa e contraditória, entre os sujeitos coletivos da ação e refere-se, neste sentido, a uma capacidade ou condição de mobilização, pois não há como dissociar o poder da inclinação a exercê-lo, que provém da própria natureza ou condição humana. Deste modo, poder é a capacidade que tem uma classe social (ou uma sua fração ou segmento), uma categoria social ou um grupo (social ou politicamente organizado) de definir e realizar seus interesses objetivos e subjetivos específicos, mesmo contra a resistência ao exercício desta capacidade e independente do nível estrutural em que tal capacidade esteja principalmente fundamentada. A finalidade dos grupos sociais é transformar seus interesses objetivos e subjetivos em interesses dominantes, razão pela qual os mesmos investirão suas energias políticas no acesso ao comando das principais estruturas da sociedade para viabilizar a realização de tais interesses e desencadear todos os mecanismos de controle social disponíveis para garantir o sucesso deste empreendimento. O exercício do poder, portanto, adquire continuidade e efetividade política quando do acesso do grupo ou da classe social ao comando das principais organizações, das estruturas institucionais ou políticas dominantes na sociedade [como por exemplo as instituições jurídicas do Estado], inclusive aquelas criadas como resultado de um processo de transformação, de maneira a pôr em prática ou a viabilizar tal exercício. Isto significa que é a partir da capacidade de mobilização em tomo das relações sociais organizadas que os grupos e classes sociais podem ter acesso ao comando das instituições com a finalidade de mantê-las ou transformá-las e não o contrário, ou seja, a transformação ou a manutenção das relações sociais não se dá pela via institucional, pois esta tende a reproduzir as relações dominantes. As relações de poder são, assim, instituintes dos interesses objetivos e subjetivos dos sujeitos coletivos e não, instituídas pelas crenças ou valores da sociedade”.

 

3Aliás, não seria exagero afirmar que o sistema do capital não sobreviveria um único dia sem o Estado, pois este lhe dá o suporte político-jurídico-ideológico para sua manutenção, sem falar no estupendo suporte econômico fornecido através dos gastos em infra-estrutura, da concessão de empréstimos e da concessão de benefícios fiscais de toda a sorte.