Ao longo da história da Administração Pública brasileira, uma visão patrimonialista do Administrador Público consolidou-se, e, por vezes, uma idéia de apropriação privada do aparelho estatal.
A idéia de República não vingou no ideário da população, acostumada a assistir, passivamente, sem ter como controlar a utilização do poder, exercido com base na pessoalidade, na discriminação e no favorecimento de interesses patrocinados junto ao Estado.[1]
A Constituição Federal/1988, no art. 70, dispõe que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada poder.
Leciona Celso Antônio Bandeira de Mello que o controle interno é aquele exercido pelos órgãos da Administração, como integrantes do aparelho do próprio poder, enquanto que o controle externo é aquele exercido por órgãos alheios à Administração[2].
O controle externo será exercido pelo Tribunal de Contas (art. 71/CF).
Cada um dos denominados “poderes” da República (na verdade exercem função/dever, o poder é único e do povo), deve manter, e de forma integrada, sistema de controle interno objetivando avaliar cumprimento de metas, com base em programas e orçamentos, comprovar legalidade, avaliar resultados, quanto à eficácia e eficiência da gestão, exercer o controle de operações de créditos, avais e garantias, bem como apoiar o controle externo (art.74/CF).
Sob pena de responsabilização solidária, das irregularidades de que os responsáveis pelo controle externo vierem a ter conhecimento, devem dar ciência ao Tribunal de Contas (art. 70, §1º/CF).
Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato são partes legítimas para denunciar irregularidades ou ilegalidades ao Tribunal de Contas (art. 70, §2º/CF).
Rege-se a administração pública pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37/CF). Suas atividades fundamentam-se nos princípios do planejamento, coordenação, descentralização, delegação de competência e controle (art. 6º, Decreto-Lei 200/67).
Compreende-se o controle em vários níveis. Cada chefia, segundo a sua competência, deve controlar a execução dos programas com a observância das normas da específica atividade do órgão controlado.
Os órgãos de cada sistema devem observar as normas gerais do exercício das atividades auxiliares.
Os órgãos do sistema de contabilidade e auditoria devem controlar a aplicação dos dinheiros públicos e a guarda dos bens da União (art. 13/Dec.-Lei 200).
Não se deve olvidar da racionalização mediante simplificação de processos e supressão de controles puramente formais, e cujo custo supera o risco.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2.000), que trata das normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal preconiza que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange à renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, seguridade social e outras, dívida consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar (art. 1º, § único).
Saliente-se, em cumprimento ao modelo de Estado inaugurado pela Constituição Federal/88, o disposto no art. 48, parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal: A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão de planos, leis de diretrizes orçamentárias e orçamentos. E, ainda, as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante o exercício, no respectivo Poder Legislativo e em órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade.
Da Lei Complementar 33/96, do Estado do Sergipe, que apresenta o Código de Organização e Procedimento da Administração Pública, colhem-se os seguintes excertos, que tratam de forma didática sobre o tema do Controle da Administração Pública.
Conceitua-se o controle da Administração Pública como sendo o conjunto de meios destinados a exercer a vigilância, orientação e correção da sua atuação (art. 35).
A finalidade do controle é assegurar, especialmente, os princípios constitucionais da impessoalidade, publicidade, moralidade e legalidade, prevenindo e corrigindo eventuais atos lesivos aos administrados, a estes e à Administração reciprocamente, ou somente à Administração (art. 36).
Quando no âmbito da Administração, o controle tanto pode ser iniciado de ofício como também mediante provocação dos administrados (art. 36, § 1º).
Para estimular o controle mediante provocação, a Administração deve:
I-divulgar, regular e periodicamente, os meios de controle à disposição dos administrados, como e quando poderão ser utilizados;
II-incentivar os administrados, inclusive com prêmios ou recompensas, a participar do controle da atuação administrativa;
III-assegurar celeridade no exercício do controle, devendo comunicar oficialmente, a quem o provocou, quais as providências adotadas e os resultados obtidos.
São modalidades de controle da atuação administrativa (art. 37):
I-controle interno à própria Administração;
II-controle externo exercido pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas, quando for o caso, sobre as matérias indicadas na Constituição Estadual;
III-o controle externo exercido pelo Poder Judiciário.
São meios de controle interno (art. 38):
I-fiscalização hierárquica;
II-recurso administrativo;
III-prestações e tomadas de contas.
Os órgãos dos poderes de Estado, as entidades da Administração Indireta, o Tribunal de Contas e o Ministério Público estão sujeitos ao controle externo do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, nas respectivas áreas de competências (art, 51).
Dentre os meios específicos do Controle Judicial, são enumerados (art. 58):
I-mandado de segurança;
II-ação popular;
III-habeas data;
IV-mandado de injunção;
V-ação civil pública;
VI-habeas corpus;
VII-ação direta de inconstitucionalidade.
Quanto ao Controle Interno, a CGU-Controladoria Geral da União, dentre as tarefas para zelar do Patrimônio Público, exerce, como órgão central, a supervisão técnica dos órgãos que compõe o sistema de Controle Interno e o Sistema de Correição e das unidades de ouvidoria do Poder Executivo Federal, prestando a orientação normativa necessária[3].
Um dos métodos utilizados para o exercício do controle é o programa de fiscalização a partir de sorteios públicos de Estados e Municípios. Nas regiões sorteadas são realizadas fiscalizações especiais, por amostragem, para verificar a aplicação de recursos públicos federais.
Há que se lembrar de que a Lei de Responsabilidade Fiscal e o sistema de controle estão a serviço da limitação do arbítrio dos detentores de função e respectivos poderes de atuação, e, para que não saia de foco o objetivo estatal da consecução do interesse público, ou seja, a realização dos direitos constitucionais fundamentais.
A ação administrativa deve sofrer uma metódica, racional, e concreta verificação, mediante técnicas eficientes desenvolvidas para realização de procedimentos de controle de sua legitimidade, para cujo êxito, afirma-se a importância do processo administrativo que, pela apresentação das posições contraditórias, proporciona ao administrador uma direção de atuação, além de reduzir o perigo de voluntarismos e subjetivismos inadequados[4].
Sobre a discricionariedade administrativa uma limitação cada vez maior, tendo em vista sempre, na análise das normas a princípio aplicáveis, a sua adequação mediante a análise do caso concreto, objetivando, provavelmente a melhor e única decisão[5].
O fim para o qual se criou o Estado é a consecução do interesse público. Aliás, interesses naturalmente plurais.
O interesse público, pertencente à classe dos denominados conceitos jurídicos indeterminados, vincula-se à noção de Administração Pública.
Atinge-se o interesse público quando se concretiza o princípio da dignidade da pessoa, contribuindo para o seu desenvolvimento[6].
O objetivo da Administração Pública é a concretização dos direitos fundamentais da pessoa.
A responsabilidade fiscal não é um fim em si. É instrumento de controle da Administração Pública, que recebe parte do poder para exercê-lo em prol da realização concreta dos direitos fundamentais.
A responsabilidade fiscal não se lê sem se visualizar igualmente a responsabilidade social.
Na toada do filósofo Kant, coisas, instrumentos, técnicas, controles, não são um fim em si mesmo. A pessoa é um fim em si mesmo. Por isso, digna. As coisas são comparadas, podem ser trocadas, tem preço. A pessoa é única. Não tem preço. Tem valor por si mesma: dignidade.
Seguindo Marçal Justen Filho, a supremacia e a indisponibilidade do interesse público sempre foram princípios definidores do regime jurídico da Administração Pública. Ora, o núcleo do direito administrativo se apóia nos direitos fundamentais. Portanto, o critério da atividade administrativa é a supremacia e a indisponibilidade dos direitos fundamentais[7].
De uma Administração Pública subordinativa, unilateral e hierárquica, coercitiva na gestão de interesses públicos, para uma administração pública coordenativa, multilateral, atenta às manifestações consensuais, o Direito Administrativo, antes visto no interesse do administrador, passa a ser conceituado como o “ramo do direito público que estuda o conjunto de princípios, de conceitos, de técnicas, de normas, que regem as atividades jurídicas do Estado como gestor de interesses públicos, cujo efetivo atendimento lhe é cometido pela ordem jurídica para a segurança e em benefício dos administrados”. O advento de uma sociedade cada vez mais participativa, a afirmação do constitucionalismo, são bases para uma conquista de uma Administração Pública no rumo do controle do ato administrativo e da desmistificação da discricionariedade[8].
[1] SICCA, Gerson dos Santos. Vinculação, liberdade do administrador e racionalidade jurídica: elementos para o reforço da legitimação da atividade administrativa. Fórum administrativo. Belo Horizonte, n. 86, abr. 2008. Disponível: . Acesso: 28 maio 2008.
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
[3] Disponível: . Acesso: 30 maio 2008.
[4] SICCA, Gerson dos Santos. Ob. Cit.
[5] PEREIRA, Flávio Henrique Unes Pereira. Sanções disciplinares – o alcance do controle jurisdicional. Belo Horizonte:Fórum, 2007.
[6] BREUS, Thiago Lima. Políticas públicas no Estado constitucional – problemática da concretização dos direitos fundamentais pela Administração Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
[7] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
[8] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.